Muito se tem discutido nos dias atuais sobre a Lei do Silêncio, principalmente
nas grandes cidades, onde a incidência é bem maior, sem olvidar, é
claro, que o direito costuma proteger a todas as pessoas, sem escolher
a quem, e sem determinar o lugar dessa tutela. Há casos de mortes
registradas, cuja motivação é justamente a perturbação de sossego.
Neste breve ensaio, vamos procurar traçar em termos técnicos a chamada
Lei do Silêncio.
É importante salientar que toda afirmação em Direito passa, necessariamente
pela visão de conteúdo constitucional. Assim, relevante citar o artigo
5º, da CF/88, que garante vários direitos fundamentais, dentre eles,
o da livre expressão da atividade intelectual e artística, como também
o da inviolabilidade da vida privada e da intimidade, surgindo, destarte,
um conflito positivo de direitos, prevalecendo, neste jogo, aquele
direito que atende ao interesse publico, indubitavelmente, a paz social.
Primeiro, é importante salientar que em Minas Gerais, existe a Lei
7.302/78, intitulada Lei do Silêncio que logo no seu artigo 1º, define
aquilo que se chama de ruído, como sendo o som puro ou mistura de
sons com dois ou mais tons, capaz de prejudicar a saúde, a segurança,
ou o sossego público.
O artigo 3º da mesma lei proíbe, independentemente de medição de nível
sonoro, os ruídos produzidos por veículos com equipamentos de descarga
aberto ou silencioso adulterado ou defeituoso, produzidos por aparelhos
ou instrumentos de qualquer natureza utilizados em pregões, anúncios
ou propagandas em vias públicas para ela dirigidos, produzidos por
buzinas, ou por pregões, anúncios ou propagandas, à viva voz, nas
vias públicas em local considerado pela autoridade competente como
"zona de silêncio, produzidos em edifícios de apartamentos, vilas
e conjuntos residenciais ou comerciais por animais, instrumentos musicais,
aparelhos de rádio ou televisão, reprodutores de sons, ou ainda, de
viva voz, de modo incomodar a vizinhança, provocando o desassossego,
a intranqüilidade ou o desconforto, proveniente de instalações mecânicas,
bandas ou conjuntos musicais, e de aparelhos ou instrumentos produtores
ou amplificadores de som ou ruído quando produzidos em vias públicas,
provocados por bombas, morteiros, foguetes, rojões, fogos de estampidos
e similares e provocados por ensaios de escolas de samba ou qualquer
outra entidade similar, no período compreendido entre zero e sete
horas, salvo aos domingos, nos dias feriados e nos 30 dias que antecedem
o tríduo carnavalesco, quando o horário será livre.
Mas a lei do silêncio de Minas Gerais não possui aplicação de sanção
penal, considerando que somente a União possui legitimidade para legislar
sobre direito penal, artigo 22, I, da CF/88, sem desprezar a possibilidade
jurídica de o estado federado tratar-se de temas específicos, quando
autorizado por lei complementar.
Segundo, torna-se imperioso destacar o artigo 42 do Decreto-Lei 3688/41,
conhecido por Lei das Contravenções Penais, que prevê a infração penal
de perturbação de sossego ou trabalho alheios, in verbis:
Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios:
I - com gritaria ou algazarra;
II - exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as
prescrições legais;
III - abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;
IV - provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal
de que tem a guarda:
Pena - prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos
mil réis a dois contos de réis.
O artigo 65 do mesmo estatuto também possui norma semelhante, quando
institui a contravenção penal de perturbação da tranqüilidade, a saber:
Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte
ou por motivo reprovável:
Pena - prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos
mil réis a dois contos de réis.
A violação que se torna mais visível é do artigo 42, inciso III, da
LCP, ou seja, abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos,
quando alguns esquizofrênicos saem por aí exibindo suas idiotas preferências
culturais.
É comum, nas grandes cidades, alguns motoristas de automóveis dirigirem
seus veículos durante a madrugada, com alto volume de som, perturbando
o sono de pessoas, e ainda praticando constrangimento ilegal, artigo
146 do CP, ao imporem a audição de um verdadeiro e insofismável lixo
cultural, com músicas sem letras, repetitivas, evasivas, e que constituem
atentado em pudor público ambiental.
A contravenção penal aqui se configura conforme sólidas decisões de
nossos Tribunais Superiores:
34005115 - CONTRAVENÇÃO PENAL - PERTURBAÇÃO DO TRABALHO OU DO SOSSEGO
ALHEIOS - POLUIÇÃO SONORA - PROVA - ALVARÁ - O abuso de instrumentos
sonoros, capaz de perturbar o trabalho ou o sossego alheios, tipifica
a contravenção do art. 42, III, do Decreto-lei 3688/41, sendo irrelevante,
para tanto, a ausência de prova técnica para aferição da quantidade
de decibéis, bem como a concessão de alvará de funcionamento, que
se sujeita a cassação ante o exercício irregular da atividade licenciada
ou se o interesse público assim exigir. (TAMG - Ap 0195398-4 - 1ª
C.Crim. - Rel. Juiz Gomes Lima - J. 27.09.1995) 34005370 - CONTRAVENÇÃO
PENAL - PERTURBAÇÃO DO TRABALHO OU SOSSEGO ALHEIOS - SERESTA - PROVA
PERICIAL - A promoção de serestas sem a devida proteção acústica,
configura a infração prevista no art. 42 do Decreto-lei 3688/41, sendo
desnecessária a prova pericial para comprovar a sua materialidade.
(TAMG - Ap 0198218-3 - 1ª C.Crim. - Rel. Juiz Sérgio Braga - J. 29.08.1995)
34004991 - CONTRAVENÇÃO PENAL - PERTURBAÇÃO DO TRABALHO OU SOSSEGO
ALHEIOS - CULTO RELIGIOSO - POLUIÇÃO SONORA - A liberdade de culto
deve ater-se a normas de convivência e regras democráticas, tipificando
a contravenção prevista no art. 42, I, do Decreto-lei 3688/41 os rituais
que, através de poluição sonora ou do emprego de admoestações provocantes
dirigidas aos vizinhos, perturbem a tranqüilidade destes. (TAMG -
Ap 0174526-8 - 1ª C.Crim. - Rel. Juiz Sérgio Braga - J. 14.02.1995)
(RJTAMG 58-59/443)
O bem jurídico Sossego Público não é um bem irrelevante. Recebe a
tutela estatal por ser bem juridicamente relevante, enquadrando-se
naquilo que se chama de tipicidade material, podendo falar em tipicidade
conglobante defendida pelo professor Zaffaroni.
O silêncio é um direito do cidadão. O agente policial é obrigado a
coibir essa prática desrespeitosa e promover a paz pública.
Além disso, a Lei 9605/98, lei dos crimes ambientais pune, severamente,
com pena de prisão o crime de poluição sonora. Diz o art. 54 diz:
"Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem
ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade
de animais ou a destruição significativa da flora".
Não desconsidere, que o novo Código Civil Brasileiro, que entrou em
vigor em janeiro de 2003, garante o direito ao sossego no seu art.
1277 ao dispor:
"O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer
cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à
saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade
vizinha".
O nosso legislador, ao editar o Código de Trânsito Brasileiro, também
preocupado com o prejuízo ocasionado à segurança viária e, especialmente,
à saúde humana, indicou diversas condutas relacionadas com a emissão
de ruídos ou sons.
Agora, em se tratando de Direito penal, configurada a infração penal,
deve a autoridade policial apreender os instrumentos utilizados na
prática da contravenção penal, no caso em tela, dos instrumentos sonoros,
artigo 6º do CPP, liberando o veículo ao condutor, caso o infrator
esteja em dia com o pagamento dos tributos legais, devendo o criminoso
suportar as conseqüências legais em virtude de sua conduta delituosa.
Conclui-se que todo cidadão tem direito a livre escolha musical, como
expressão maior de sua atividade artística, aliás, direito fundamental,
mas é preciso respeitar a paz pública. Ninguém goza de um direito
em detrimento de outro direito, também assegurado por lei. Quem quiser
curtir seu lixo cultural, que o faça respeitando a supremacia do interesse
público.
JÉFERSON BOTELHO é delegado regional de Governador Valadares
(MG), e professor de Direito Penal e Processo Penal, Teoria Geral
do Processo, Legislação Especial e Instituições de Direito Público
e Privado.